Entre essas etnias, existe uma parcela que se denomina "povos do Grupo do Shahdag",que representa os fragmentos étnicos da Albânia Caucasiana.

khinalig 1

Um desses grupos étnicos mora no vilarejo nas montanhas de Khinalig, nas encostas nordestinas do Cáucaso Grande, 2.300 metros acima do nível do mar. O vilarejo é rodeado pelas montanhas de Shahdag e Tufandag. Khinalig representa um tipo de museu de etnografia a céu aberto, criado pela história e pela natu-reza, pois essa parte do Cáucaso é bastante isolada e muito difícil de ser acessada. Até recentemente, o vilarejo só poderia ser alcançado em boas condições climáticas, através de estreitos e inseguros caminhos montanhosos. Por causa disso, a cultura e o estilo de vida do povo de Khinalig preservou uma série de características arcaicas. Até pouco tempo atrás, havia algumas tradi-ções patriarcais remanescentes das crenças antigas do Khinalig.

Não há muita informação confiável sobre a origem e a história da etnia de Khinalig. Até pouco tempo atrás, a etimologia do nome de Khinalig também permaneceu indefi-nida. A origem do grupo étnico de Khinalig foi estabelecida depois do estudo etimológico da raiz da pala-vra "ketid", que se refere a "ket"-"gat" – nome da antiga tribo albana 1. G. A. Geybullayev chegou a essa conclu-são depois de pesquisa em diversas fontes antigas. O povo de Khina-lig chama o seu vilarejo de Ketsh (Katish) ou Katdidur, que se traduz como "os aldeões". Quanto ao nome de Khinalig, é referido na comunicação com o mundo externo.2 Os moradores do vilarejo o pronunciam "Khenaleg", quase do mesmo jeito que foi utilizado pela primeira vez no século XIII, pelo autor Yagut Khe-mevi - "Kheneleg"3.

O nome Khinalig consiste de duas palavras chaves: "khina" ("khe-ne") e um sufixo que pertence à língua turca, "lig" ("leg"). Os estudio-sos ligam a raiz "khene" com o ter-ritório de Kheni, do início da Idade Média.4Vários autores afirmam que Kheni se localizava na margem es-querda do rio Ganikh (Alazani) e se relaciona com uma etnia de "ge-nug", que era chamada de "geniokh" pelos autores antigos.5 Séculos de-pois, o nome de uma tribo albana que os autores gregos chamavam de "Geniokh" e os geógrafos do sé-culo VII de "Khenuk", formou a base para o nome Kheni na área da bacia do rio Ganikh. Assim surgiu o nome do vilarejo de Khinalig nas encostas de montanhas de Shahdag.

A língua de Khinalig é diferente dos idiomas Budug e Gryz (semelhantes à língua Lezgin) e tem um lugar especial na família Caucasiana das línguas6.

Alguns especialistas sugerem que a língua é próxima à de Udi7, outra relíqua da Albânia Caucasiana. Sabe-se que as tribos Udi, ou os Utis, habitavam uma área vasta de região de Uti, ao longo da margem direita do rio Kura (atualmente do vale de Garabagh até o Gazakh). Conforme as fontes da antiga Idade Média (M. Kalankaytukskiy, História dos Alba-nos), essa região incluia a cidade de Shaki também.

Consequentemente, os Udis eram vizinhos próximos dos ancestrais do povo de Khinalig, que moravam, ou pelo menos passavam os invernos, no vale de Alazani. Isso naturalmente levou à semelhança e proximidade das suas culturas e línguas.

Apesar de ser isolado, o povo de Khinalig manteve o contato regular com outros aldeões da planície do Khanato de Guba, assim como do Khanato de Sheki e Sultanato de Ilisu. Os contatos tiveram maior im-pacto na vida econômica, cultural e no estilo da vida do povo de Khinalig. Vale destacar que os relatórios demograficos dos séculos XIX e XX afirmam que, apesar do crescimen-to natural do vilarejo, a população do Khinalig continuou diminuindo.

Um declínio contínuo da população foi causado pelo repovoa-mento para a planície dos distritos do Azerbaijão, onde eles tiveram que se adaptar às novas circunstâncias. A situação demográfica no vilarejo mudou ainda mais com o ínicio da II Guerra Mundial, quando os moradores do vilarejo se mudaram para os vilarejos de Vladimirovka, Alekseyevka, Narimanovka e Hajigaib do Distrito de Guba. Em 1960, foi oferecido ao povo de Khinalig que se mudasse para a planície do Distrito de Guba, mas eles se recusaram, dizendo que as suas terras eram um paraíso.

Conforme os registros do Conselho do Vilarejo de Khinalig, em 1976 havia uma população de 2500 pessoas8. Um número considerá-vel dos Khinaligs mora atualmente nos vilarejos de Vandam, Agyazi, Garamaryam, assim como em Baku, Guba, Khachmaz, Agsu e Shirvan.Por causa do isolamento e da inacessibilidade, Khinalig teve um siste-ma de vilarejo (Jamaat) até o século XIII. Eles estabeleceram um Mahal (comunidade) unido com povoados vizinhos de Gryz e do vilarejo de Galeyi-Khudat da Shemakha, e a partir da segunda metade do século XIII, com o Khanato de Guba.

No final do século XIX e no início do século XX, o conselho dos chefes das famílias substituiu o conselho dos mais velhos para a governança  central da comunidade local. Esse conselho elegia o mais sábio do vilarejo (kovkha) e dois assistentes. Conflitos, crimes e outros assuntos públicos foram resolvidos pelos sábios do vilarejo, com base na lei comum e normas de Shariah, enquanto os casamentos e divórcios foram aprovados pelos cleros muçulmanos (akhoond, mulá). A maioria dos moradores do vilarejo eram membros da comunidade. No século XIX, as autoridades russas os transformaram em agricultores estatais.

Sendo parte do Khanato de Shemakha, os moradores de Khinalig eram isentos dos vários pagamentos, inclusive impostos e outras obrigações, menos do serviço militar. Se o Khan estivesse em guerra, eles formavam uma unidade de cavalaria. Da mesma maneira que outros moradores do Cáucaso com uma estrutura de livre comunidade, a propriedade de terra no Khinalig foi de natureza patriarcal préfeudal. Os pastos eram considerados como propriedade da comunidade e os prados e áreas de cultivo gradualmente foram se tornando propriedades particulares. A comunidade dividiu os pastos de verão entre os vilarejos vizinhos, enquanto todos usavam os pastos de inverno.

As relações de parentesco tive-ram um papel principal em Khinalig. Então, os sistemas antigos como Mehle (vizinhança), Gabale (clã), Kele e Kansil sobreviveram até os tempos atuais.

Junto com as divisões genéricas, a comunidade de Khinalig teve um surgimento de estratificação social da sociedade – as pessoas ricas possuíam grandes rebanhos de ovelha, usavam mão de obra contratada e barganhavam o gado nas cidades próximas. Já os membros mais pobres da comunidade tiveram que estabelecer conselhos de pastores e eleger um "Sarkar", pastor principal. Alguns membros da comunidade não posuiam gados e tiveram que sustentar as suas famílias trabalhando como pastores para os aldeões mais ricos.

O vilarejo de Khinalig é dividido em cinco "mehle" (vizinhanças) à base de grau de parentesco. Cada um deles tinha o seu próprio santu-ário ("pir") e um cemitério. No século XIX, "Gabale", que era uma comunidade econômica e espiritual, começou a ser esprimida pelas "kele", famílias maiores, e isso juntou as pessoas à base de grau de parentesco. Vale destacar aqui que houve uma tradição de um feudo de sangue em Khinalig. A ocupação principal em Khinalig era tradicionalmente a criação de gado e especialmente de ovelhas.

Isso foi motivado pela presença dos vastos pastos ao redor do vila-rejo. No final da Idade Média, os pas-tos de inverno de Khinalig se loca-lizavam principalmente no vale de Mushkur. A partir dos anos 1830, por causa de aumento das plantações de granza, as áreas de pastagem co-meçaram a diminuir. Portanto, nos anos de 1850, os pastores de gado de Khinalig começaram a levar o seu gado aos pastos de inverno ar-rendados do distrito de Javad. Além disso, eles tinham pequenos cam-pos de pastagem no vale de Gilazi, ao sul do distrito de Guba, que eles usavam dos pastos de verão e outo-no. No meio de junho, os pastores de Khinalig voltavam o gado aos pastos em volta do seu vilarejo na-tivo.9

Os produtos de origem animal, como carne, leite, manteiga e queijo têm um papel principal na alimentação em Khinalig. O gado e as ovelhas também fornecem lã e couro.

A lã é utilizada na fabricação de echarpes, tapetes, meias de tricô e para encher os cobertores e col-chas. Tendo papel principal na vida de povo de Khinalig, o gado fornece matéria prima para tricotar, entran-çar, amassar, fabricar chapéus e ca-sacos de pele, etc.

A diversidade é típica não só nas atividades econômicas do povo de Khinalig, mas também na sua cultura material. Ela combina os elementos da cultura dos azerbaijaneses e de outros povos que vivem nas montanhas.10

Nos últimos cem anos, a cultu-ra material de Khinalig enriqueceu bastante com os elementos da cultura europeia urbana do Azerbaijão. Esse processo se desenvolveu quando foram intensificados os contatos do povo de Khinalig com as outras regiões do Azerbaijão. Na verdade, esse enriquecimento não só se manifestou na cultura material, mas também no vocabulário. Ao mesmo tempo, o povo de Khinalig preservou a sua identidade étnica por causa do afastamento do vilarejo.

Assim como em outros vilarejos nas montanhas, as casas em Khinalig são construídas muito perto umas das outras nas encostas das montanhas.

Por causa de falta das planícies, a maioria das casas tem dois andares. Tradicionalmente, as casas são construídas com blocos de pedra, enquanto argila umidificada é utilizada como mistura para cimentar.

As casas têm telhado plano e chão de terra. A luz entra através dos buraquinhos nas paredes e da chaminé. O teto é apoiado em uma coluna grossa. O primeiro andar era normalmente usado como celeiro, e o segundo era a área residencial. Também no segundo andar, recebiam-se os convidados. No final do século XIX, as pessoas ricas começaram a construir varandas. As casas tinham móveis e armazéns para grãos e farinha. Assim como os outros vilarejos nas montanhas do Azerbaijão, as casas em Khinalig foram aquecidas por tendirs e lareiras, onde também cozinhavam comida. Fornos de ferro foram introduzidos em meados do século XX.11

O traje tradicional de Khinalig não difere muito do resto do Azerbaijão, principalmente quando se trata dos homens. As mulheres raramente deixam as suas casas e não têm muito contato com o mundo exterior. O traje tradicional dos homens consiste de calças e uma camisa feita de chita grossa ou cetim, um caftan de cetim, echarpes de lã, casaco de pele, chapéu de pele de carneiro, meias de lã coloridas, polainas e sapatos. O traje das mulheres, mesmo sendo muito conservador, também teve influên-cia externa e incluía amplas calças "jugar", camisola "Peyrem", outra ca-mada de roupa e um curto caftan "valchag". Um xale grande de lã e um casaco de pele eram usados no inverno. Existiam três tipos de véus: "kelagayi", "ketva" e um lenço. Em meados do século XX, o traje tradicional começou a ser substituído pelos trajes europeus, enquanto os mais velhos continuavam a usar os seus trajes de costume.

A gastronomia de Khinalig é um pouco diferente da gastronomia do Azerbaijão, por causa da prevalência da carne e laticínios, motivada pelo papel do gado. Os laticínios incluem manteiga, queijo de ovelha, queijo de búfalo e gatig ("iogurte natural"). O queijo de ovelha "akhtarma", feito no final da estação do leite, era mui-to popular. Muitas vezes, esse queijo era enviado como presente para as pessoas mais respeitadas e sábias do vilarejo. Os pratos de carne foram feitos principalmente de carneiro e acompanhados com ervas silves-tres. Cozinhavam grande variedade de pratos de carne como kebab, dolma, dushbara (bolinhos rechea-dos) e vários tipos de pilaf (arroz sol-to) da gastronomia do Azerbaijão12.

Para economizar a farinha de trigo em Khinalig, ela era misturada com farinha de cevada para assar o pão. Cozinhavam no saj tradicional (panela de ferro), durante o ano inteiro, o pão fino "yukhapisha", enquanto o pão "bzo pisha" era assado em tendir.

A cevada sempre teve um papel importante em Khinalig, pois era o unico grão que crescia na região.

Mingau de cevada moída com moedor manual era um dos pratos principais no inverno. As ervas secas são muito importantes para tem-perar os vários pratos. Em Khinalig, faziam chá "Baba chayi"13 de ervas silvestres colhidas nas encostas da montanha de Babadag.

Porém, o chá de ervas está sendo gradualmente substituído pelo chá preto, que como nas outras regiões do Azerbaijão, é preparado em samovar. Outras bebidas tradicionais em Khinalig são ayrane sherbet de mel. A gastronomia de Khinalig mudou profundamente na época so-viética, quando as batatas, cebolas, berinjelas, tomates, repolho e outros entraram na cozinha local. Hoje, a cultura única de Khinalig está sendo bastante estudada pelos historiadores. As pesquisas científicas dessa cultura apresentam um grande interesse do ponto de vista de desenvolvimento de uma pequena etnia rodeada por uma grande nação. A cultura da região combina os elementos das origens étnicas diferen-tes. O povo de Khinalig chegou até esses territórios isolados e afastados através de várias épocas diferentes da história e teve contatos comer-ciais, econômicos e culturais com o resto das regiões do país. Em certa medida, a cultura de Khinalig pode ser considerada como um modelo reduzido da azerbaijanesa, que surgiu nas altas montanhas.

 

Literatura

1. G.А. Geybullayev. On ethnogeny of the Azerbaijanis. Vol. 1, B., 1991, p.158

2. Ibid

3. Z.M.Bunyadov. Yakut al-Khama-vi.Mudzhamal-Buldan (informa-ção sobre o Azerbaijão). B., 1983, p.23

4. G.А. Geybullayev, obra mencio-nada, p. 157

5. S.T. Yeremyan, Country of Makhelonia, Kaabai Zoroastrian inscriptions - Ancient History Di-gest 1967, No 4, p. 49-50

6. A.N. Genko, Report on the re-sults of a trip to Khinalug – Bul-letin of the Caucasus History and Archeology Institute in Tbilisi, 1928, No. 1-3, p. 13

7. Ibid

8. N.G. Volkova, Khinalig – Ethno-graphic digest of the Caucasus, 7th edition, M., 1980, p. 37

9. P.V. Kotlarevskiy, obra menciona-da, pp. 330-331

10. N.G. Volkova, obra mencionada, p. 49

11. N.G. Volkova, obra mencionada, p. 47-49

12. Ibid, p. 52; P.V. Kotlarevskiy, obra mencionada, p. 379

13. G.J. Javadov, Azerbaijan’s small peoples and ethnic minorities, B., 2000, p. 201